da redação - 25\07\2015
Nosso repórter investigativo Hunter Thompsom da Silva, apesar de, em
suas diversas infiltrações in loco nos
ambientes extremamente undergrounds (crackolândias do Haddad, reuniões
illuminati, bastidores do programa Esquenta, vodu haitiano,secretos clubes da
luta, etc.), mostrou-se muito espantado ao trazer para nossa redação sua nova gonzo-descoberta.
Nosso jornalista, após investigar na deep web uma sociedade
ultra-secreta espalhada no Brasil, conseguiu inscrever-se e assistir uma das
sinistras reuniões.
Trêmulo, entregou na nossa redação uma
gravação feita por ele, com um microfone escondido, em uma das reuniões. Que
segue a transliteração da apavorante narrativa:
[voz de Hunter Thompsom da Silva] “Consegui
entrar. Um porão com umas 30 pessoas. Todas sentadas olhando para um altar
vazio. Uma espécie de cerimônia macabra. Sentei-me num banco no canto. Vejo, no
púlpito que, repentinamente, um rapaz fica diante do microfone.”
[voz do referido rapaz] “ Epa!! Podem me
chamar de ‘X’. E também sou membro desta Irmandade.”
[a platéia em uníssono] “ Epa!, ‘X’, Parabéns.
Seja bem vindo. Você é hoje a pessoa mais importante para nós!”
[ o rapaz prossegue] “...eu fui um...”
[outra voz, de um senhor, vinda da platéia, interrompe] “
Epa! Fui, não! É! Será! É incurável, embora, ‘X’,
você possa ser detido e a vítima possa entrar em estado de recuperação, e voltar
a desfrutar uma vida inteligente e feliz. Para os pessoas com problemas
como o nosso que não descobrem o caminho, o problema se torna...progressivo.
[ o rapaz prossegue] “...companheiros, estou
em recuperação, e estou há seis meses sem...”
[a mesma voz, do senhor, interrompe,
novamente] “Epa! “Não diga ‘companheiros’! Diga ‘meus amigos!”
[ o
rapaz prossegue] “Desculpem-me o ato falho...
[o senhor] “Epa! Desculpado! Acontece. Isso é
uma doença da qual fomos a vítima. Não
nos tornamos o que nos tornamos porque quisemos. Ninguém se isso porque quer. Estando em recuperação a
cada 24 horas, podemos perfeitamente deter nossa doença e abrir uma clareira
diária em nossas vidas para levarmos uma existência ativa, alegre e cheia de
realizações. Isso é uma doença
incurável, progressiva e fatal.Podemos no entanto deter a sua
progressividade e a sua fatalidade, mantendo-nos distantes disso de 24 em 24
horas. Dessa forma, mantendo permanente estado de recuperação é que
milhares de pessoas, em todas as nossas células de reuniões no Brasil descobrem
um novo modo de viver uma existência saudável e feliz.”
[o rapaz agradece e retoma a
palavra, gaguejando] “E-então...tudo começou nas festas nos campings, no DCE e no bandejão da
faculdade. Era onipresente, naquela época. Era inevitável. As moças achavam ‘descolados’
os caras que se envolviam com isso. Um dos rapazes ‘descolados’, me chamou,
conversou comigo, me inseriu.Eu, com a auto-estima baixa, deixei-me levar. Eu
não tinha, sequer, uma namorada. Depois que entrei, as meninas começaram a me
enxergar. Eu passei a ser um ‘ descolado’. Deixei de fazer a barba e ficar fedorento.
Quanto mais eu parecesse com um mendigo, naquele contexto, eu era mais sexy. Enquanto
ríamos dos outros ‘limpinhos’ que ficavam na faculdade com suas caras enfiadas
nos livros, nós, carpe diem, curtíamos as festas. Entrei nessa. Estou há 20
anos nisso. Hoje estou, aqui, fazendo meu testemunho! Agradeço!”
[a platéia, vozes em uníssono] “ Epa!Obrigado
por compartilhar teu relato, ‘X’, Parabéns. Epa! Seja bem vindo. Você é hoje a
pessoa mais importante para nós!”
[outra voz toma o microfone, uma voz
feminina]
(
poupamos de transcrever todo o idêntico ritual chato de apresentação e recepção)
[a voz feminina] “No início, eu estava no fundo do poço. Não depilava
minhas axilas, não tomava banho. Roupas iguais, bolsas de couro ridículas e
boinas manufaturadas, por nós mesmas. Era a ‘moda’ entre as mulheres, na época.
Saíamos nas ruas, inconvenientes, com nossas bandeiras e apitos e adesivos e
tentávamos persuadir agressivamente, sem muitos argumentos, os transeuntes. Larguei o emprego. Passei a odiar, sem saber o
porquê, meu patrão que era muito bom comigo. Afastei-me da minha família e dos
meus antigos amigos. Estava fanática. Idolatrávamos pessoas sombrias,
assassinos, fascínoras, psicopatas. Era considerada uma pessoa chata pelos que não
eram do grupo. Cantávamos mantras hipnóticos e débeis...'lá-lá'. Quando percebi que não mais valia a pena, já era tarde. Não
tinha como eu sair. Palavras de ordem, meus 6 namorados bissexuais, na época, não me
deixaram abandonar ”
[O senhor, da platéia, interrompe] “ Epa! ‘Y’,
querida, saiba: era uma necessidade de sociabilidade na época, entenda, você ,
na época, achava que não tinha
alternativa. Poucos víamos isso. Líamos pouco. Rìamos muito. Viramos as costas
pra realidade. Cegos. Vivíamos num mundo ilusório. Mas, com o Primeiro Passo da Serenidade só por hoje, cada um
de nós vai redescobrindo a dádiva inestimável que essa Irmandade lhe oferece
com a Serenidade, no caminhar dos outros Onze Passos, por muitas e muitas 24
horas.Obrigado pelo teu relato!”
[ouve-se os passos do
senhor, talvez o líder, falando e subindo ao microfone] “Levei muitas pessoas, ao longo de 35 anos,
dentro disso, para o fundo do poço. Nós os pioneiros falávamos pelo povo que não
pedia a nossa palavra. Os que não concordavam, agredíamos física e verbalmente,
aliens, para nós, não alienados. Fui para países estranhos conhecer outros como
nós, mas, mais radicais. Cheguei a matar, torturar pessoas que nos
contrariavam. Usava chavões-vício, pois queríamos dominar o mundo. Hoje, admito
que eu era impotente perante esse problema e que tínhamos perdido o domínio de
nossas vidas. Só você pode saber se é assim e fazer alguma coisa a respeito. A
decisão é sua e é drástica. Render-se às evidências, dadas às óbvias circunstâncias
atuais, que derrubam nosso passado, perante a si mesmo e perante outros é uma
decisão que ninguém pode tomar por você. Mas essa rendição é o primeiro passo
em busca de sanidade e da serenidade. Coragem! Mais um dia! Agradeço a todos. Nosso Líder Supremo mostrou-se uma farsa. Demos nossa vida a ele. Nos enganou por décadas.Não podemos ficar presos, como ele. Libertemo-nos! Liberalismo, já!. Até a próxima reunião!”
[voz do nosso repórter Hunter Thompsom da
Silva, sussurando] “Estão saindo. Mal compreendi esses sinistros relatos. Me deu medo. Estou
me direcionando à saída. Olhos para trás, vejo uma placa: Hoje, reunião EPA!:
Ex-Petistas Anônimos!”
Brilhante texto. Pela primeira vez vejo um relato da situação política atual que evocasse a atmosfera soturna dos Demônios de Doistóievski.
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